sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O Discurso do Andaime

Conversando um dia desses com uma daquelas pessoas que trazemos como verdadeiros amigos, estive pois a tecer com uma que ocupa um grande espaço na minha capacidade de admirar. E ela, como não podia ser diferente, nos dedicou uma gostosa homenagem, a nós pedreiros e ao blog, uma contribuição super bem vinda na qual nao poderia deixar de postar. Obrigado minha querida Chave Lima (Xantipa) pelo requinte de suas letras!


O Discurso do Andaime

O cimento é a coisa da construção melhor partilhada, pois cada tijolo pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar com outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. E não é verossímil que todos se enganem a tal respeito; mas isso antes testemunha que o poder de bem grudar e distinguir o pregador do pregado, que é propriamente o que se denomina de cimento ou argamassa é naturalmente igual em todos os tijolos; e, destarte, que a diversidade de nossos cimentos não provém do fato de uns serem mais pregantes que os outros, mas somente de conduzirem nossas construções por vias diversas. Pois não é suficiente ter um cimento bom, o principal é aplicá-lo bem. As maiores mãos são capazes de assentar mais tijolos, tanto quanto das maiores paredes, e os que só pregam muito lentamente podem avançar, se seguirem sempre na lentidão, para o caminho reto da demissão!

(Xantipa)

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O eterno reboco!

Foi de cima de um rochedo, à beira do lago de Silvaplana (Engadine) que Nietzsche teve a revelação do eterno retorno. Grande revelação, de muito valor para o pensamento filosófico e contemporâneo! Esse fato entre outros me levam as vezes a pensar que as maiores reflexões possíveis à nossa razão acontecem mesmo do alto, do alto de algo ou olhando para o alto de algo. Outros dois exemplos de altitude se mostram com o grande físico enxadista: Sr. Isaac Newton. Newton, tocado por uma maça (que caiu do alto de uma macieira, é claro) teve a genial sacada da gravidade, de que é do alto que as paradas se manifestam...
Num outro momento, ainda sobre a influência das idéias enxadistas, o mesmo Isaac revelou sua similum picaretum com a seguinte declaração: "se enxerguei tão longe foi porque subi em ombros de gigantes." Pois assim me ocorreu também a revelação do eterno reboco. Foi olhando para o alto de um andaime que percebi alguns homens de trabalho dedicados na atividade de rebocar uma parede digamos alta. Alí naquele lugar parei e olhei para cima, a observar, a divagar, e vendo aquele movimento todo fiquei a imaginar como as coisas sempre estão a ser rebocadas, seja física ou metafísicamente, seja no ôntico ou no ontológico, naquilo que se refere ao ser ou ao ente.
Até quando se morre, segundo as precisas afirmações medievalistas, a tendência do espirito é mesmo subir, subir aos céus (para os sábios e competentes medievais). Já para uma outra raça bastante peculiar, através do uso de alguns venons sapiens, essa elevação espiritual acontece de fato, mas pode tanto ser aos céus como a qualquer outro lugar (me refiro os integros e capazes "manos"), desde que esteja acima. É aqui que nos aparece a necessidade de se fazer uma apologia ao andaime, e também aos homens que neles se arriscam a trabalhar, aos "homens do alto". Penso e fico analisar quantas são as idéias que não devem se apoderar daqueles indivíduos com as cabeças nos ares, situados em tão grande altura. Ali eles respiram o ar dos deuses, e se duvidar até conversam com eles. Como é bom ter um andaime pra escalar! Viva a existência do andaime!!!!!

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Carpir

Eu carpo, tu carpes, ele carpe.
Nós carpimos, vós carpís, eles carpem.

Ele carpe diem.
Nós carpimos o dia.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

O andaime é dentro da gente

A primeira vez que subi num andaime foi nos idos tempos da infância. Eu morava na cidade e como não havia árvores para se subir, então tivemos um belo dia a idéia de subir em andaimes, que se revelaram bem mais divertidos do que as árvores, só não floresciam de abriu a maio. Abriu, maio, isso me lembrou de uma piadinha que circula nas obras: você faz aniversário em abriu? Eu maio...

Aquela primeira escalada ao andaime ficou em minha memória como a minha mais antiga lembrança. Foi no dia de meu aniversário de cinco anos, quando meu pai me deixou sair para a rua pela primeira vez para brincar com os moleques, atendendo ao meu pedido de aniversário.


Saímos, eu e os moleques, que nem tão moleques eram, correndo como presos fugidos. Escalar aquela coisa armada na esquina, parecendo os ossos de um gigantesco animal pré-histórico, pareceu ser o mais divertido a se fazer naquele momento. Então fomos e nos aventuramos naquelas costelas metálicas, eu e meus primeiros amigos de andaime! De lá avistamos longe a as casas e as pessoas apressadas. As mulheres que um dia estariam decrépitas, os homens falidos, as crianças grandes... Deve ser legal ser adulto, pensava eu naquele instante, enquanto um transeunte que nos observava pensava como é bom ser criança...

A brincadeira no andaime se estendeu até o anoitecer quando meu pai apareceu lá de correia na mão para me dar a primeira surra dos meus cinco anos. De tudo isso ficou: o andaime é dentro da gente! – não sei porque.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Notas de andaime

De cima do andaime é de onde se vê o quão a vida humana é completamente sem sentido, ou melhor, de cima do andaime é onde se pensa que a vida humana é destituída de sentido. Os homens parecem ainda mais pequeninos vistos desse ponto de vista, ponto de vista que está entre o imanente e o transcendente, a meio caminho de um e de outro. O andaime é imanente na medida em que sua base é o chão; é transcendente, pois ficamos suspensos lá em cima vendo pequenos homens passarem apressados com destino ao fim, mulheres bonitas e gostosas a caminho da decrepitude...

Daí vista da vida somente importa o valor biológico: uma fêmea reprodutora e só. Às fêmeas que passam perto da obra as chamamos “gostosas”, sem nenhum pudor; mas isso é porque sabemos que nunca as possuiremos, pois se tivéssemos essa intensão teríamos de ir se achegando de mansinho. Levamos a vida possuindo o que podemos com a miséria que ganhamos – até acho divertido a eterna arte de se virar, se há algo que pode dar sentido à vida é o “se virar”. Quando recebo o pagamento da obra a primeira coisa que faço é tomar algumas cervejas no bar do meio e fumar cigarros caros, mesmo que depois terei que fumar trevo e tomar cachaça os outros vinte e tantos dias do mês. Isso é que é dizer sim à vida!


Filho ainda não tenho, mas sinto a necessidade de um herdeiro para minha pedreiragem, assim como meu pai sentiu tal necessidade. Por certo não é uma vida má, tem seus altos e baixos – os ossos do ofício. Mas que atividade não é assim? Desconfio que bater picareta é algo bem mais fácil que estar trepado num andaime o dia inteiro. Nada cai do céu: até para cagar tem que se fazer uma forcinha.


Ouvi dizer pela boca de um amigo de obra, um cismado que é poeta (todo mundo chama-o “Poeta”), que outro poeta disse a certa altura que o homem precisa fazer três coisas na vida: plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Mas pensando bem, falta aí algo que um homem precisa fazer na vida, a mais sublime da atividades: bater uma lajem. É o ponto máximo da vida pedreira; quando se junta aquele bando de homens para falar besteiras como nunca, mexer com as coitadas que dão o azar de passar na rua onde estão trabalhando. Sem falar que no desfecho ainda tem uma feijoada, ou um pão com miúdos de porco, uma pinga da boa e cerveja adoidado, além de risadas.