quinta-feira, 31 de julho de 2008

O andaime é dentro da gente

A primeira vez que subi num andaime foi nos idos tempos da infância. Eu morava na cidade e como não havia árvores para se subir, então tivemos um belo dia a idéia de subir em andaimes, que se revelaram bem mais divertidos do que as árvores, só não floresciam de abriu a maio. Abriu, maio, isso me lembrou de uma piadinha que circula nas obras: você faz aniversário em abriu? Eu maio...

Aquela primeira escalada ao andaime ficou em minha memória como a minha mais antiga lembrança. Foi no dia de meu aniversário de cinco anos, quando meu pai me deixou sair para a rua pela primeira vez para brincar com os moleques, atendendo ao meu pedido de aniversário.


Saímos, eu e os moleques, que nem tão moleques eram, correndo como presos fugidos. Escalar aquela coisa armada na esquina, parecendo os ossos de um gigantesco animal pré-histórico, pareceu ser o mais divertido a se fazer naquele momento. Então fomos e nos aventuramos naquelas costelas metálicas, eu e meus primeiros amigos de andaime! De lá avistamos longe a as casas e as pessoas apressadas. As mulheres que um dia estariam decrépitas, os homens falidos, as crianças grandes... Deve ser legal ser adulto, pensava eu naquele instante, enquanto um transeunte que nos observava pensava como é bom ser criança...

A brincadeira no andaime se estendeu até o anoitecer quando meu pai apareceu lá de correia na mão para me dar a primeira surra dos meus cinco anos. De tudo isso ficou: o andaime é dentro da gente! – não sei porque.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Notas de andaime

De cima do andaime é de onde se vê o quão a vida humana é completamente sem sentido, ou melhor, de cima do andaime é onde se pensa que a vida humana é destituída de sentido. Os homens parecem ainda mais pequeninos vistos desse ponto de vista, ponto de vista que está entre o imanente e o transcendente, a meio caminho de um e de outro. O andaime é imanente na medida em que sua base é o chão; é transcendente, pois ficamos suspensos lá em cima vendo pequenos homens passarem apressados com destino ao fim, mulheres bonitas e gostosas a caminho da decrepitude...

Daí vista da vida somente importa o valor biológico: uma fêmea reprodutora e só. Às fêmeas que passam perto da obra as chamamos “gostosas”, sem nenhum pudor; mas isso é porque sabemos que nunca as possuiremos, pois se tivéssemos essa intensão teríamos de ir se achegando de mansinho. Levamos a vida possuindo o que podemos com a miséria que ganhamos – até acho divertido a eterna arte de se virar, se há algo que pode dar sentido à vida é o “se virar”. Quando recebo o pagamento da obra a primeira coisa que faço é tomar algumas cervejas no bar do meio e fumar cigarros caros, mesmo que depois terei que fumar trevo e tomar cachaça os outros vinte e tantos dias do mês. Isso é que é dizer sim à vida!


Filho ainda não tenho, mas sinto a necessidade de um herdeiro para minha pedreiragem, assim como meu pai sentiu tal necessidade. Por certo não é uma vida má, tem seus altos e baixos – os ossos do ofício. Mas que atividade não é assim? Desconfio que bater picareta é algo bem mais fácil que estar trepado num andaime o dia inteiro. Nada cai do céu: até para cagar tem que se fazer uma forcinha.


Ouvi dizer pela boca de um amigo de obra, um cismado que é poeta (todo mundo chama-o “Poeta”), que outro poeta disse a certa altura que o homem precisa fazer três coisas na vida: plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Mas pensando bem, falta aí algo que um homem precisa fazer na vida, a mais sublime da atividades: bater uma lajem. É o ponto máximo da vida pedreira; quando se junta aquele bando de homens para falar besteiras como nunca, mexer com as coitadas que dão o azar de passar na rua onde estão trabalhando. Sem falar que no desfecho ainda tem uma feijoada, ou um pão com miúdos de porco, uma pinga da boa e cerveja adoidado, além de risadas.